Nos Estados Unidos, parques nacionais são um mega empreendimento. De
acordo com Jonathan Jarvis, diretor do National Park Service, em 2012
mais de 282 milhões de pessoas visitaram os 401 sítios que o órgão
federal administra (entre eles, 59 parques como os nossos) – isso em ano
de furacão Sandy, que levou vários parques a fechar.
Com as visitas foram gerados US$ 30 bilhões em atividade econômica e
garantiu-se emprego a 252 mil pes soas. Ainda em 2012, quase 9,7 milhões
de turistas foram ao Great Smoky Mountains, na Carolina do Norte, o
recordista de visitação entre os parques nacionais americanos, e 4,4
milhões passaram pelo vice-líder Grand Canyon. Jarvis comanda 22 mil
funcionários e um orçamento que, no ano passado, atingiu US$ 2,9 bilhões
(R$ 6,2 bilhões).
Já os 68 parques brasileiros – dos quais 26 estão abertos à visitação –
vivem situação bem diversa. Em 2012, eles receberam 5,6 milhões de
pessoas, quase 58% do total do Great Smoky Mountains. O mais concorrido,
o Parque Nacional da Tijuca, recebeu 2,5 milhões de pessoas no ano
passado, porque está entranhado na cidade do Rio de Janeiro. Qualquer um
que visite, de automóvel, a Vista Chinesa, o Corcovado ou a Estrada das
Canoas já está dentro do parque.
A arrecadação com ingressos dessas unidades não atingiu R$ 27 milhões
em 2012. Desse total, R$ 17 milhões, 62%, vieram do Parque Nacional do
Iguaçu, muito visitado por causa das Cataratas do Iguaçu. A atividade
econômica gerada pelos parques brasileiros nas suas regiões vizinhas
ficou em torno de módicos R$ 500 milhões, segundo o Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). “Nossos parques recebem menos de 2%
do número de visitantes dos parques norte-americanos e devem gerar uns
2% do movimento econômico de lá”, analisa Márcio Santilli, coordenador
do Instituto Socioambiental (ISA).
É natural que o Brasil fique atrás dos EUA no setor. Afinal, é um país
emergente sendo comparado com a maior economia do planeta. Mas a
diferença é gritante, sobretudo porque, como em outros setores,
continuamos deitados em berço esplêndido, com muitas riquezas a mostrar e
pouco traquejo e vontade política para fazê-lo.
De acordo com um relatório produzido pelo Fórum Econômico Mundial sobre
competitividade turística, o Brasil é o 51º entre 140 países e está nas
piores posições quanto a transportes, preços, burocracia, taxas e
impostos. Entretanto, ocupa o 1º lugar como destino interessante quanto
aos recursos naturais, o 6º quanto a locais reconhecidos como patrimônio
natural da humanidade e o 16º quanto ao patrimônio cultural.
Matéria-prima ecológica não falta, portanto. Falta é desenvolvê-la,
como outros países já fizeram. “Os cinco principais parques da África do
Sul recebem mais de 4,3 milhões de visitantes por ano”, lembra
Santilli.
É preciso reconhecer que, mesmo quando fechados à visitação, os parques
são importantes prestadores de serviços à sociedade. Por meio deles, é
possível preservar nascentes e mananciais de água, solos, ecossistemas, a
biodiversidade, a produção de chuva e o equilíbrio do clima, como nos
parques remotos da Amazônia.
Mas manter o status quo atual – com 62% dos parques fechados – é, em
princípio, estranho. Na prática, avalia o empresário Roberto Klabin,
ex-presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, a proibição deixa os
parques fechados reclusos ao imaginário, excluídos da vivência dos
brasileiros. “Os parques não são da população. São dos técnicos, das
pessoas que cuidam do meio ambiente”, afirma o empresário.
Negócio promissor
O relatório do Pnuma, Contribuição das Unidades de Conservação para a
Economia Nacional, de 2011, mostra que investir nos parques seria um
ótimo negócio. Segundo o estudo, ao se considerar o fluxo de turistas
(brasileiros e estrangeiros) estimado para o país até 2016, ano da
Olimpíada no Rio de Janeiro, o aumento do interesse na procura por
ambientes naturais e a média de investimentos nos parques nacionais nos
últimos tempos, seria possível chegar àquele ano com 13,7 milhões de
visitantes nessas unidades de conservação, que gerariam R$ 1,6 bilhão em
receitas.
“O governo precisa perceber que o Brasil é uma potência ambiental. Ele
só lembra que somos uma potência agrícola”, diz Klabin. A ficha tem
demorado a cair. No Brasil, os parques nacionais e as outras 244
unidades de conservação federais estão subordinados ao Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao
Ministério do Meio Ambiente (MMA). O orçamento do ministério nunca foi
grande coisa e é um alvo prioritário do governo federal quando quer
economizar. O site Contas Abertas revelou que no ano passado, por
exemplo, dos R$ 4,1 bilhões previstos, R$ 1,1 bilhão (27%) foi bloqueado
(“contingenciado”) para compor o superávit fiscal.
O MMA fica com apenas 0,15% do Orçamento Geral da União e 0,07% do
Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Tem sido assim quase sempre,
subfinanciado, o que comprova que o meio ambiente não é prioritário
diante das muitas carências do país.
Para sustentar os 5.600 funcionários do ICMBio (dos quais 1.900
efetivos) e cumprir suas atribuições nas unidades de conservação, o
instituto dispõe de um orçamento de cerca de R$ 503 milhões por ano,
somado a valores variáveis de compensações ambientais, fundos
governamentais, acordos de cooperação internacional, doações de empresas
privadas e multas ambientais que raramente são pagas, devido aos
constantes recursos dos infratores e à lerdeza da Justiça.
É, previsivelmente, pouco. Muito pouco. O órgão tenta, segundo seus
gestores, “seguir a diretriz da área econômica, de fazer mais com
menos”. Mas, nesse contexto, nem se estranha quando os técnicos do
ICMBio dizem que é impossível estimar qual seria o valor ideal de
recursos a serem aplicados nos parques. Ninguém pensou nisso até agora.
O caso eventual de um parque superavitário também cai no mesmo impasse.
Segundo o gestor do Parque Nacional do Iguaçu, Jorge Luiz Pegoraro,
apenas R$ 3 milhões dos R$ 17 milhões arrecadados em 2012 ficaram para
as despesas de custeio da unidade federal paranaense (itens como
pessoal, vigilância e serviços). O restante seguiu para Brasília, como
orienta o sistema orçamentário federal. A rotina geral é depender de
Brasília para praticamente tudo.
Outro problema que aflige os parques brasileiros é a tremenda confusão
fundiária. Dos mais de 26 milhões de hectares das áreas somadas, 17%
coincidem com terras indígenas ou quilombolas e parques estaduais, afora
propriedades privadas.
Como os parques, em princípio, são da União, alguma ordenação jurídica
diferenciada seria necessária para lidar com essa bagunça. O belo Parque
Nacional do Itatiaia, por exemplo, privilegiadamente situado entre São
Paulo e Rio de Janeiro, vive um arrastado litígio com proprietários de
imóveis em terras incorporadas em 1982.
Na Bahia, o Parque Nacional de Boa Nova, criado em 2010, está todo
assentado em terras particulares. “Não temos noção de quando vamos
iniciar as desapropriações, pois não há orçamento previsto para isso”,
diz o gestor da unidade, Osmar Borges – seu único funcionário.
Precariedade
O resultado das verbas minguadas e do emperramento burocrático são
parques com poucos funcionários, estado lamentável e escassas melhorias.
Certamente o solitário funcionário do Boa Nova e os quatro
isoladíssimos funcionários do Parque Nacional das Montanhas do
Tumucumaque (o maior parque do país em área), no Pará e no Amapá, não
bastam, por mais comprometidos que sejam, para dar conta do trabalho que
um parque demanda.
Mesmo coordenando cerca de 800 pessoas no Parque do Igauçu – uma
enormidade em relação aos demais –, Pegoraro reconhece que a sua equipe é
pequena para cumprir todas as ações listadas no Plano de Manejo da
reserva (as ações necessárias para a gestão sustentável dos recursos
naturais no interior e no entorno do parque).
Pegoraro tem de lidar, por exemplo, com frequentes caçadores
clandestinos e colhedores de palmito, atender aos pleitos dos 14
municípios com terras no parque e avaliar os pedidos de parcerias – sem
contar a constante pressão local pela reabertura da antiga Estrada do
Colono, que atravessa o parque de lado a lado. Borges se multiplica para
tocar um parque “ainda na fase embrionária de implantação”. Christoph
Jaster, gestor do Montanhas do Tumucumaque, não reclama de verbas, mas
tem problemas sobretudo com “a aceitação, por parte do público, de uma
unidade de conservação que ocupa 27% da área do Amapá, e com grupos que
têm interesses na exploração mineral da área”. É muita terra, realmente.
A ideia de abrir as unidades à visitação pode trazer vários benefícios,
desde aproximar os brasileiros de seu patrimônio natural até obter os
tão necessários recursos financeiros para geri-los melhor. Para a
direção do ICMBio, apenas dois parques (Pico da Neblina e Araguaia)
estão oficialmente fechados, por conta de aspectos jurídicos ligados à
sobreposição com reservas indígenas.
“O que estamos fazendo”, informa o órgão, “é, em primeiro lugar,
atender os parques que apresentam maior pressão de visitação, dando-lhes
os instrumentos de ordenamento que garantem a integridade dos recursos
da unidade e a qualidade da experiência do visitante. A meta do ICMBio é
facilitar o processo ou atender a todas as unidades nos seus processos
de ordenamento da visitação num médio prazo”.
Mas é preciso cautela para não criar novos problemas com uma abertura
apressada, alerta Mariana Napolitano e Ferreira, analista de Conservação
do Programa Amazônia do WWF-Brasil. “Os parques devem estar preparados
para receber os visitantes. Eles precisam de cuidados fundamentais, como
plano de manejo atualizado e recursos como pessoal e infraestrutura
(estradas, sinalização, banheiros, segurança, etc.) para oferecer uma
boa visitação e minimizar impactos. Isso envolve também uma visão
regional, dos Estados e dos municípios, que facilite a visitação quanto
ao acesso ao local, por exemplo.”
Para estudiosos da questão, porém, as razões para a demora da abertura
dos parques não são mais aceitáveis. “Nenhuma inconsistência do poder
público pode evitar o acesso das pessoas”, diz Márcio Santilli. “Se ele
coloca certos critérios e não tem estrutura para isso, deveria buscar
recursos para atendê-los.”