Uma grande parte da imponente camada de gelo da Antártida Ocidental
começou a desmoronar e, aparentemente, seu contínuo derretimento não
pode mais ser parado. Se esta descoberta, anunciada por dois grupos de
cientistas no início desta semana, se sustentar, ela sugere que o
derretimento poderia desestabilizar partes vizinhas da camada de gelo e
um aumento no nível do mar em 3 metros ou mais pode ser inevitável nos
próximos séculos.
Os cientistas afirmam que o aquecimento global causado pela liberação
de gases de efeito estufa provocada por ações humanas tem contribuído
para desestabilizar a camada de gelo, embora outros fatores também
possam estar envolvidos. Eles também acrescentaram que é provável que a
ascensão do mar continue a ser relativamente lenta até o final do século
XXI, mas em um futuro mais distante, pode acelerar significativamente,
potencialmente jogando a sociedade em uma crise.
“Isso está realmente acontecendo”, garantiu Thomas P. Wagner, que
dirige programas da NASA no gelo polar e ajudou a supervisionar algumas
das pesquisas. “Não há nada que possa parar [o desmoronamento] agora.
Porém, [o processo] ainda está limitado pela física do quão rápido o
gelo pode fluir”.
Dois artigos científicos divulgados nas revistas “Science” e
“Geophysical Research Letters” chegaram a conclusões semelhantes por
diferentes meios. Ambos os grupos de cientistas descobriram que as
geleiras da Antártida Ocidental tinham recuado o suficiente para detonar
uma instabilidade inerente à camada de gelo, o que os especialistas
temiam por décadas. A NASA convocou uma conferência de imprensa por
telefone no mesmo dia para destacar a urgência das conclusões.
A camada de gelo da Antártida Ocidental fica em uma depressão no solo
em forma de bacia, com a base do gelo abaixo do nível do mar. A água
quente do oceano está fazendo com que o gelo que fica ao longo da borda
desta tigela afine e recue. À medida que a extremidade da frente do gelo
se afasta da borda e afunda na água, o derretimento passa a ser muito
mais rápido do que antes.
Em um dos novos estudos, a equipe liderada por Eric Rignot,
glaciologista da Universidade da Califórnia (EUA), utilizou medições por
satélite e ar para documentar um recuo de seis geleiras que foi
acelerando ao longo das últimas décadas, que escoam para a região do Mar
de Amundsen. Com o mapeamento atualizado do terreno abaixo da camada de
gelo, a equipe foi capaz de descartar a presença de quaisquer montanhas
ou colinas significativas o suficiente para retardar este derretimento.
“Hoje apresentamos evidência observacional de que um grande setor da
camada de gelo da Antártida Ocidental entrou em um recuo irreversível”,
disse Rignot na coletiva de imprensa da NASA.
O estudioso explicou que o desaparecimento apenas dessas seis
geleiras poderia fazer com que o mar subisse cerca de 1,2 metro,
possivelmente dentro de dois séculos. Ele acrescentou que o seu
desaparecimento provavelmente irá desestabilizar outros setores da
camada de gelo, de modo que o aumento final no nível do mar poderia ser o
triplo disso.
Em separado, uma equipe liderada por Ian Joughin, da Universidade de
Washington (EUA), estudou Thwaites, uma das geleiras mais importantes,
usando modelos computadorizados sofisticados, juntamente com medidas
recentes do fluxo de gelo. Essa equipe também descobriu que um lento
colapso tornou-se inevitável. Mesmo que a água morna que agora corrói o
gelo se dissipasse, seria tarde demais para estabilizar a camada de
gelo. “Não existe nenhum mecanismo de estabilização”, assegurou Joughin.
As duas equipes trabalharam de forma independente, elaborando
documentos seriam publicados com apenas alguns dias de distância entre
um e outro. Depois que souberam que seus resultados eram semelhantes, as
equipes e os veículos de comunicação concordaram em liberar os
resultados no mesmo dia.
Desastre anunciado
A nova descoberta parece ser o cumprimento de uma previsão feita em
1978 por um glaciologista eminente, John H. Mercer, da Universidade
Estadual de Ohio (EUA), que morreu em 1987. Ele descreveu a natureza
vulnerável da camada de gelo da Antártida Ocidental e advertiu que a
rápida liberação de gases de efeito estufa por ações humanas era “uma
ameaça de desastre”. Ele foi atacado na época, mas nos últimos anos os
cientistas têm observado com crescente preocupação como os eventos se
desdobraram, em grande parte, da maneira como Mercer havia previsto.
Os cientistas disseram que a camada de gelo não estava derretendo por
causa da temperatura do ar estar mais quente, mas sim porque a água
relativamente quente que ocorre naturalmente nas profundezas do oceano
estava sendo puxada para a superfície por uma intensificação, ao longo
das últimas décadas, dos ventos fortes que rodeiam a Antártida.
E, embora a causa dos ventos mais fortes seja um pouco incerta,
muitos pesquisadores consideram o aquecimento global induzido pelo homem
um fator significativo. Os ventos ajudam a isolar Antártida e mantê-la
fria na superfície, porém à medida que o aquecimento global avança,
acentua a diferença de temperatura entre a Antártida e o resto do globo.
Essa diferença de temperatura fornece mais energia para os ventos, que
por sua vez agitam as águas dos oceanos.
Alguns cientistas acreditam que o buraco na camada de ozônio sobre a
Antártida – causado não pelo aquecimento global, mas por um problema
ambiental inteiramente diferente, a liberação de gases que destroem a
camada de ozônio causada pelo homem – também pode estar adicionando
energia nos ventos. A variabilidade natural também pode contribuir para o
problema, embora os cientistas não acreditem que este seja o fator
principal.
O nível global do mar tem aumentado desde o século XIX, mas, até
agora, a Antártida influenciava muito pouco. O fator mais importante era
que a água do mar se expande à medida que se aquece. Entretanto,
acredita-se que o derretimento da Groenlândia e da Antártida será muito
mais importante no futuro. Um comitê científico das Nações Unidas, o
Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, alertou que o nível
global do mar pode subir quase um metro até o final deste século se
esforços mais fortes não forem feitos para controlar a emissão de gases
de efeito estufa. As novas descobertas sugerem que a situação é
suscetível a uma piora muito maior em séculos posteriores.
Danos inevitáveis
Os efeitos dependerão, em parte, de quanto dinheiro os governos
futuros gastarem para proteger a costa de um mar que sobe cada vez mais.
Uma pesquisa publicada em 2012 descobriu que um aumento de menos 1,2
metro inundaria terras em que cerca de 3,7 milhões de norte-americanos
vivem hoje. Miami, Nova Orleans, Nova York e Boston estão entre as
cidades altamente vulneráveis.
Richard B. Alley, um cientista do clima na Universidade Estadual da
Pensilvânia (EUA), que não estava envolvido nas novas pesquisas, mas
estudou as camadas de gelo polares durante décadas, disse ter achado os
artigos convincentes. Embora temesse há muito tempo a possibilidade de
um colapso no manto de gelo, quando soube das novas descobertas confessa
ter ficado um pouco abaladdo.
Ele acrescentou que, apesar de um grande aumento no nível do mar ser
agora inevitável, a contínua liberação de gases de efeito estufa quase
certamente irá piorar a situação. Os gases poderiam desestabilizar
outras partes da Antártida, bem como a camada de gelo da Groenlândia,
causando suficiente elevação do nível do mar para que muitas das cidades
costeiras do mundo fossem inevitavelmente abandonadas.
“Se nós de fato acendermos o estopim na Antártida Ocidental, é muito
difícil imaginar que podemos desligar este fusível”, disse Alley.
“Porém, há alguns outros fusíveis, há alguns outros fósforos e nós temos
que tomar uma decisão agora: será que vamos acendê-los?”, finalizou o
pesquisador. [Gizmodo, The New York Times]
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Extraído de Hypescience.com.
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