O sonho de um Maracanã moderno.
O Brasil quer sair da Copa do Mundo de 2014 como hexacampeão e campeão de sustentabilidade.
O sonho dos brasileiros é ver o Brasil vencer a Copa do Mundo de 2014,
em casa. O título será batalhado nos estádios das 12 cidades-sede onde
as partidas serão disputadas. Mas o país também pretende sair do torneio
com uma boa reputação em sustentabilidade. Os organizadores da Copa do
Mundo de 2014, a Fédération Internationale de Football Association
(Fifa) e o Comitê Organizador Local (COL), querem que o megaevento cause
o menor impacto possível no ambiente e sirva de exemplo para as copas
do mundo de 2018 e 2022, na Rússia e no Catar.
O Brasil decidiu exigir certificação ambiental como condição de
financiamento das obras de estádios pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A decisão ajudou a Fifa a
traçar parâmetros para as futuras Copas: os compromissos sociais e
ambientais já se tornaram compulsórios no processo de candidatura dos
próximos torneios e a certificação ambiental será obrigatória na
construção de arenas da Copa do Mundo.
O evento é uma das maiores competições esportivas do planeta e o seu
impacto na sociedade e no ambiente é indiscutível. Durante a Conferência
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, no ano
passado, a Fifa e o COL apresentaram uma estratégia para a Copa
brasileira, visando a reduzir seus impactos negativos e maximizar os
positivos. Entre as ações destacamse: construção e transformação de
estádios esportivos verdes, manejo de resíduos, projetos de apoio às
comunidades, redução e compensação das emissões de carbono e incentivo
às fontes de energia renováveis.
Desde 2005 a federação internacional vem implantando programas
socioambientais em torneios, adotando diretrizes como o certificado ISSO
26000. A Copa do Brasil, porém, será a primeira a contar com uma
estratégia ampla de sustentabilidade. Despoluição de lagoas, arborização
de ruas, manejo de resíduos sólidos e inventários e compensações para a
pegada de carbono serão promovidas nas 12 cidades-sede. Há cinco
programas específicos de sustentabilidade: certificação e gestão
sustentável de arenas polivalentes; copa orgânica e sustentável
(fortalecimento de cadeias de alimentos orgânicos para abastecimento de
cidades-sede); parques da copa (áreas de incentivo ao ecoturismo);
tratamento de resíduose reciclagem (reaproveitamento de demolições para a
construção de habitações populares); e mudanças climáticas (iniciativas
de mitigação e compensação das emissões de CO2).
Os números impressionam. Até 2014 deverão ser investidos R$ 24 bilhões
em projetos ambientais envolvendo estádios e a infraestrutura para a
mobilidade urbana, aeroportos e portos das cidades-sede. Estima-se que
três milhões de pessoas (600 mil do exterior) se movimentarão pelo país
para assistir aos jogos. É preciso garantir condições para alimentação,
locomoção e hospedagem. Na Copa de 2010, a África do Sul conseguiu uma
economia de 15% no uso de eletricidade, com sistemas de iluminação mais
eficientes; 27% de redução do desperdício de água, com alternativas de
reúso e reciclagem de 58% no volume de lixo proveniente dos jogos. Mais
de 50% dos torcedores sul-africanos utilizaram transporte público e
meios não motorizados, como bicicletas.
Para conseguir mais do que isso o governo brasileiro terá de agir
rapidamente. As obras dos estádios e os projetos de infraestrutura
demoraram a começar e estão atrasados. E os projetos de infraestrutura,
mais ainda. Em novembro, o governo anunciou as seis sedes da Copa das
Confederações, que será realizada em junho de 2013, como evento-teste
para a Copa de 2014: Belo Horizonte (Mineirão), Fortaleza (Castelão),
Rio de Janeiro (Maracanã), Brasília (Estádio Nacional), Salvador (Arena
Fonte Nova) e Recife (Arena Pernambuco). Os dois primeiros estádios
estão quase prontos e os demais deverão estar em abril de 2013. “O
Ministério do Esporte está acompanhando tudo de perto e mantendo diálogo
com as cidades-sedes e a Fifa para que tudo saia como esperado”, disse o
ministro Aldo Rebelo na ocasião.
Valcke, da Fifa: obras estão muito atrasadas.
Arenas verdes
Os torcedores vão dispor de estádios modernos, construídos ou reformados de acordo com as exigências da Fifa e dos certificadores internacionais. Todos os estádios das 12 cidades-sede serão reformados (alguns reconstruídos) e virarão arenas polivalentes, que poderão ser usadas, após a Copa, em outras finalidades, como shows musicais ou convenções e, no caso do Maracanã, para a Olimpíada de 2016. A certificação exige uso de materiais reciclados ou certificados e destinação adequada de resíduos.
A maior arena do Brasil, o Maracanã, já foi utilizada na Copa do Mundo
de 1950, ano da sua inauguração, e foi palco de grandes momentos do
futebol. O estádio, remodelado com um investimento de R$ 808 milhões (R$
400 milhões do BNDES), terá capacidade para 79 mil e postulará a
certificação ambiental pelo credenciado sistema LEED (Leardership in
Energy and Environmental Design).
A Empresa de Obras Públicas do Estado (Emop) sustenta que a arena terá
dispositivos economizadores de água (captação, armazenamento e
reutilização da chuva) e reúso (para a irrigação do campo), reduzindo o
consumo do líquido em 30%. Serão utilizadas lâmpadas, luminárias,
equipamentos eficientes e painéis fotovoltaicos na cobertura, para gerar
energia limpa. O governo doou parte das 85 mil cadeiras velhas do
Maracanã para 21 estádios de clubes de futebol das séries A, B e C.
Setenta e cinco por cento do material de demolição – concreto, ferro,
isopor e madeira – está sendo britado para uso na própria obra e em
outras intervenções públicas.
Benedicto Barbosa da Silva Júnior, diretor da Odebrecht Infraestrutura,
uma das empresas envolvidas na obra, afirma que a Copa e as Olimpíadas
estão garantidas. “Elas serão impecáveis, sim, mas do nosso jeito: a
Alemanha fez o evento mais organizado do planeta (a Copa de 2006). O
Brasil vai fazer o evento mais alegre do planeta.”
Em Brasília, o Estádio Nacional Mané Garrincha, com 72 mil lugares,
pretende ser exemplar. Um reservatório guardará água da chuva, que será
usada para irrigar o campo e fazer a limpeza. A arena também terá
estrutura para captar energia solar para iluminar refletores de maneira
autossustentável, capaz de gerar 2,5 megawatts, o equivalente à energia
necessária para abastecer mil residências por dia. O Estádio Nacional de
Brasília é candidato a ser o primeiro do mundo a receber o selo de
sustentabilidade “top” Leed Platinum, conferido pela US Green Building
Council.
Para tanto, vários requisitos terão de ser cumpridos. Dejetos químicos
ficarão em caixas herméticas de concreto e os trabalhadores serão
treinados para lidar com acidentes de contaminação do solo. Ônibus
elétricos, hídricos ou a biodiesel percorrerão o centro de Brasília em
faixas exclusivas, oferecendo condução para a arena. O mesmo trajeto
também receberá uma ciclovia.
Vicente Castro Mello, arquiteto coautor do projeto do Estádio Nacional,
afirma que a arena vai suprir 80% da sua demanda de água para fins não
potáveis com os reservatórios de água de chuva e 100% da demanda de
energia por meio de geração solar. “A cobertura do estádio, revestida de
dióxido de titânio, realiza uma troca química, retirando do ar ambiente
os gases que saem dos escapamentos de veículos ”, destaca. A obra
poderá ser 5% mais cara, mas o gasto será compensado pelo menor uso de
recursos naturais. “Tudo dependerá de como o estádio será administrado”,
pondera Castro Mello. Segundo ele, a obra certificada é 7,5% mais
rentável do que as que não se preocupam com o meio ambiente.
Sonho de mobilidade: maquete virtual do projeto Veículo Leve
sobre Trilhos, em Cuiabá
Outros Estados
O Mineirão, de Belo Horizonte, também corre atrás da certificação LEED. O novo estádio já adota a lavagem de veículos do canteiro de obras com água reusada e doa restos de madeira a artesãos de Minas Gerais. Em Salvador, a estrutura antiga do estádio da Fonte Nova foi implodida, mas 92% dos resíduos da construção estão sendo reaproveitados na nova arena. Toda a argila retirada é destinada a aterros sanitários. A terra é reaproveitada em projetos sociais, como hortas comunitárias, e o concreto é britado para ser usado nos caminhos de acesso ao estádio.
A empreiteira Andrade Gutierrez, construtora responsável pela Arena
Amazônia, de Manaus, implantou uma fábrica de pré-moldados no canteiro
de obras, visando a reduzir os custos. As sobras e os resíduos da
demolição do antigo estádio Vivaldão também estão sendo reutilizados. A
obra conta ainda com 14 programas ambientais, entre os quais a
prospecção e o resgate de materiais arqueológicos, a reutilização das
sobras do concreto locais em meios-fios e pavimentos, a prevenção e o
controle de processos erosivos e o monitoramento de emissão de ruídos.
Em Cuiabá, em Mato Grosso, cidade que registra altas temperaturas, a
Arena Pantanal vai privilegiar a eficiência energética e a ventilação
natural. Sua cobertura permite a circulação do vento e a captação da
água da chuva. A capital mato-grossense deve ser uma das primeiras
cidades-sede a neutralizar todo o carbono emitido na construção do
estádio, graças a três mil famílias de ribeirinhos, de nove municípios,
que plantarão 1,4 milhão de árvores em áreas degradadas, ao longo dos
rios Cuiabá, Paraguai e São Lourenço. A Secretaria Extraordinária da
Copa do Mundo 2014 (Secopa) comprará o crédito de carbono das
comunidades, gerado pela vegetação. As obras de infraestrutura,
entretanto, estão atrasadas. Os 22 quilômetros do Veículo Leve sobre
Trilhos que serão implantados a um custo de R$ 1,5 bilhão dificilmente
serão completados antes do Mundial.
Em São Paulo, as obras da Arena de Itaquera estão com mais da metade
concluída. O estádio, orçado em R$ 820 milhões, terá capacidade para 65
mil torcedores e deverá ser entregue em dezembro de 2013. Além de
reformas das vias próximas ao estádio, projeta-se a implantação de um
monotrilho que ligará o Aeroporto de Congonhas às linhas de metrô e
trem, chegando até a arena.
Em Curitiba, a Arena da Baixada será reconstruída com técnicas
sustentáveis de drenagem, aquecimento e irrigação e contará com um
sofisticado sistema de wi-fi (sem fio) para conexão com a internet. O
COL teme que a falta de banda larga no país, associada à sinalização
deficiente das ruas e cidades, prejudique a locomoção de turistas. Sem
banda larga, será difícil usar programas como GPS para se orientar nas
cidades.
A Arena Beira-Rio, de Porto Alegre, investe numa cobertura
autolimpante, revestida por uma membrana de politetrafluoretileno (PTFE)
de grande durabilidade, capaz de absorver menos calor, característica
importante numa cidade em que o verão é quente e seco, e o inverno, frio
e úmido. Prevêse também a compostagem dos resíduos orgânicos, o
recolhimento da água da chuva e a transformação do concreto das
demolições em brita reciclada. A obra está muito atrasada.
No Nordeste, as obras do Castelão, de Fortaleza, estão 90% prontas.
Cerca de 20% da cobertura do estádio será composta de policarbonato,
desenhada para propiciar um degrade de sombreamento ideal e melhorar a
qualidade de transmissão televisiva, assim como a insolação do gramado.
Em Natal, a Arena das Dunas também está bastante atrasada. Um dos
desafios é a mobilidade urbana: os governos municipal e estadual preveem
a abertura de dois eixos de integração, um entre o aeroporto, a arena e
o setor hoteleiro e outro prolongando a via Prudente de Morais até o
estádio. O Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, o primeiro terminal
federal a ser entregue à iniciativa privada, está longe da conclusão. A
empresa carioca Engevix administrará o complexo por 25 anos.
No Recife ainda não começou a construção da Cidade da Copa, um conjunto
de edificações residenciais e comerciais que constituirão um bairro ao
redor da Arena Pernambuco, até 2025. Para certificar o empreendimento
com o selo LEED na categoria prata, a Odebrecht contratou o serviço de
consultoria paulista Centro de Tecnologia em Edificações, especializada
em sustentabilidade. O estádio deverá possuir uma estação de tratamento
de esgoto própria, usando apenas água não tratada da Companhia
Pernambucana de Saneamento.
O deputado federal e ex- jogador Romário
considera-se o “fiscal da Copa”.
Críticas
Em março, o secretáriogeral da Fifa, Jérôme Valcke, criticou o atraso das obras, causando atrito com o governo e pedidos de desculpas. A Fifa está preocupada com os projetos de transporte e as condições de hotelaria. O excraque da Seleção Brasileira Romário, eleito deputado federal em 2010, tornou-se primeiro vicepresidente da Comissão de Turismo e Desporto da Câmara e um crítico dos atrasos. Romário se considera o “fiscal da Copa”.
“O Brasil já sabia, há cinco anos, que sediaria a Copa, mas tudo andou
muito devagar. Os projetos demoraram a ser apresentados e as obras
demoraram a começar. Quanto maior o atraso, mais chances as obras têm de
ser classificadas como ‘emergenciais’, dispensando, assim, a licitação.
Quando isso acontece, em termos de custo, o céu é o limite. Outro
problema é que o atraso exige três turnos de trabalho e isso onera ainda
mais os orçamentos”, ressalta Romário.
Há risco de algumas obras não ficarem prontas até a Copa. “Nenhuma das
arenas está cumprindo a lei federal que determina reserva de 4% do
espaço dos estádios para deficientes físicos, cadeirantes e pessoas com
mobilidade reduzida. Estão seguindo a Lei Geral da Copa, que reserva
apenas 1%, mas não é o sufi ciente. O atraso em aeroportos, rodoviárias e
portos é grave. O governo precisa ficar em cima para que a lei seja
cumprida. Aliás, a população deveria ser a maior fiscalizadora de tudo,
fazendo denúncias ao Ministério Público se for necessário”, insiste.
Romário é cético sobre o legado que ficará para a sociedade. “Os
responsáveis pela Copa sempre apresentam arenas com projetos
maravilhosos, mas a maioria não sabe responder o que farão com elas
depois da Copa. Alguns Estados têm pouca tradição no futebol. Se a média
de público em jogos estaduais não enche nem pequenos estádios, como vão
lotar um de 50 mil lugares? O estádio de Brasília terá capacidade para
72 mil pessoas, mas a final do Campeonato Candango deste ano teve 970
espectadores. Como essa renda vai pagar os custos de água, energia,
limpeza, segurança?”, pergunta. A vida continuará depois da Copa e da
Olimpíada.
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Fonte: Revista Planeta, edição 483, dezembro/2012
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